quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Intertextualidade: Chapeuzinho Vermelho e outras histórias

Chapeuzinho Amarelo de Medo
(Chico Buarque)
Era Chapeuzinho Amarelo.
Amarelada de tanto medo.
Tinha medo de tudo, aquela Chapeuzinho.
Já não ria.
Em festa, não aparecia.
Não subia escada nem descia.
Não estava resfriada, mas tossia.
Ouvia conto de fada e estremecia.
Não brincava mais de nada, nem de amarelinha.
Tinha medo de trovão.
Minhoca, pra ela, era cobra.
E nunca apanhava sol,porque tinha medo de sombra.
Não ia pra fora pra não se sujar.
tomava sopa pra não ensopar.
Não tomava banho pra não descolar.
Não falava nada pra não engasgar.
Não ficava em pé com medo de cair.
Então vivia parada, deitada, mas sem dormir, com medo de pesadelo.
Era Chapeuzinho Amarelo
.
E de todos os medos que tinha, o medo mais que medonho era o medo do tal do LOBO.
Um LOBO que nunca se via, que morava lá pra longe, do outro lado da montanha, num buraco da Alemanha, cheio de teia de aranha, numa terra tão estranha, que vai ver que o tal do LOBO nem existia.
Mesmo assim a Chapeuzinho tinha cada vez mais medo do medo do medo do medo de um dia encontrar um LOBO.
Um lobo que não existia.
E Chapeuzinho Amarelo, de tanto pensar no LOBO, de tanto sonhar com LOBO, de tanto esperar o LOBO, um dia topou com ele que era assim: carão de LOBO, olhão de LOBO, jeitão de LOBO e principalmente um bocão tão grande que era capaz de comer duas avós, um caçador, rei, princesa, sete panelas de arroz e um chapéu de sobremesa.
O lobo ficou chateado de ver aquela menina olhando pra cara dele, só que sem o medo dele. Ficou mesmo envergonhado, triste, murcho e branco azedo, porque um lobo, tirado o medo.

É um arremedo de lobo.
 É feito um lobo sem pelo lobo pelado.
Mas o engraçado é que, assim que encontrou o LOBO, a Chapeuzinho Amarelo foi perdendo aquele medo, o medo do medo do medo de um dia encontrar um LOBO. Foi passando aquele medo do medo que tinha do LOBO. Foi ficando só com um pouco de medo daquele lobo. Depois acabou o medo e ela ficou só com o lobo.

O lobo ficou chateado, e ele gritou: sou um LOBO!

Mas a Chapeuzinho, nada!.
E ele gritou: sou um LOBO!
Chapeuzinho deu risada.

E ele berrou: Eu sou um LOBO!!! Chapeuzinho, já meio enjoada, com vontade de brincar de outra coisa.

Ele então gritou bem forte aquele seu nome de LOBO umas vinte e cinco vezes, que era pro medo ir voltando e a menininha saber com quem não estava falando: LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO- LO-BO-

Aí, Chapeuzinho encheu e disse : "!Pára, assim!

Agora! Já! Do jeito que você tá!"
E o lobo parado assim do jeito que o lobo estava já não era mais um LO-BO.
Era um BO_LO.
Um bolo de lobo fofo, tremendo que nem pudim, com medo da Chapeuzim.
Com medo de ser comido com vela e tudo, inteirim. LO-BO-LO-BO.
Chapeuzinho não comeu aquele bolo de lobo, porque sempre preferiu de chocolate.
Aliás, ela agora, come de tudo, menos sola de sapato.
Não tem mais medo de chuva nem foge de carrapato.
Cai, levanta, se machuca, vai à praia, entra no mato, trepa em árvore, rouba fruta, depois joga amarelinha com o primo da vizinha, com a filha do jornaleiro, com a sobrinha da madrinha e o neto do sapateiro.

Mesmo quando está sozinha, inventa uma brincadeira.

E transforma em companheiro cada medo que ela tinha:
O raio virou orrái, barata é tabará, a bruxa virou xabru e o diabo bodiá.

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