CARNEIRINHO E SUAS MULHERES
(MÁRIO
PRATA )
O Carneirinho era loirinho, cabelo encaracolado.
Daí, o apelido. Quando éramos jovens, ele era o mais bonito, o mais simpático,
o mais bem vestido. Namorava todas as meninas da cidade. Todas as meninas
adoravam o Carneirinho. Mas ele nunca se casou.
Depois,
formou-se em medicina, veio para São Paulo, montou uma clínica maravilhosa. E
continou a conquistar todas as mulheres de São Paulo. E do mundo.
Via
pouco, o velho amigo. Mas cada vez ele estava com uma mulher diferente.
Maravilhosas. Aviões, como ele gostava de dizer. Mas nunca se casou, embora eu
tenha ficado sabendo de dois ou três esparsos noivados nos últimos trinta anos.
Na semana
passada, encontrei-me com ele na Mercearia São Pedro. Continua um tipo bonito,
mas cachinhos loiros já não há mais. O pouco que lhe restou já está branco. Mas
continua o mesmo: bonito, elegante, rico e, como sempre, muito bem acompanhado.
Começamos
a beber e o Carneirinho, que sempre foi fraco com o álcool, desandou a me
explicar porque não ficava muito tempo com a mesma mulher, por melhores que
fossem.
- Acho
que eu fico procurando a mulher perfeita. Sei que não tem, mas insisto. Em cada
uma, depois de um tempo, eu começo a encontrar defeitos. Defeitos físicos,
pequenos, mas que, com o passar do tempo, aquilo vai crescendo na minha cabeça.
Por exemplo, lembra da Lurdica? Tinha joanete. Aquele joanete foi crescendo na
minha cabeça. Um dia cheguei à conclusão que não podia conviver mais com um
joanete.
- E a
Celinha?
- Falava
menas. Eis a questã.
- A
Glória?
- Como é
que eu podia continuar beijando aquele avião, com aquele canino superior
direito? Saltado. Ninguém observava, mas eu sabia. A Bia tinha muito pêlo no
braço, lembra? Parecia o bigode da Cidoca. Lembra da Paulinha? Tinha um dos
bicos do seio para dentro. A Loló você devia saber do mau hálito dela. Vinha lá
do estômgao, do útero, sei lá.
- E a
Candinha?
- Roía
unha. Até do pé. A Selminha tinha a testa muito avançada, lembrava a minha mãe.
Lembra da Rose? Quando ria, dava murrinhos na mesa: não podia conviver com
aquilo. A Claudete, a gente chegou até a ficar noivo, mas um dia, num almoço de
família, toda a minha família e a dela, eu pedi o pão, ela passou, eu pequei o
pão e ficou aquele indefectível farelo na mão dela. Aquele farelo foi
definitivo, você há de concordar comigo..
- E a
Joana? Você ficou noivo da Joana também.
- A
Joaninha era legal, mas tinha orelhas enormes. Nunca reparou? Eu tinha a
impressão que cada dia estavam maiores. A Maria C. não tinha orgasmo. Fiz de
tudo. A Aninha, quando tinha orgasmo, virava os olhos para cima: parecia que
estava tendo um ataque epilético.
- E a
Carmen Lúcia? Aquela não tinha nenhum defeito.
- Como
não? Não sabia quem era a Sarita Montiel e muito menos o Hemingway. E velho e o
mar, ela achava que era o avô dela. A Carlota também, nunca tinha lido um
livro. Aliás, tinha lido o Caminho Suave.
- Mas
todo mundo achava que você ia se casar com a Ledinha.
- Era
linda, mas o cabelo meio pixaim. Meus pais não iriam gostar. A Léia, por
exemplo, tinha dois dedos do pé meio grudados. Morria de vergonha dela, na
praia. A Gegê tinha o lábio inferior meio viradinho, lembra? Boca pequena. E
por falar em boca, a Lucinha beijava de boca fechada, pode? Ao contrário da
Dequinha que me mordia a lingua toda vez.
- E
aquela fazendeira de Ribeirão Preto?
- Marina?
Peito caído. Já a Ciça tinha o joelho caído. Já viu mulher de joelho caído? A
Marcinha era perfeita, mas a mãe dela rezava terço todo dia. E ela morava com a
mãe. Parecia a casa do Nelson Rodrigues.
- E
aquela francesa que eu te vi uma vez na...
-
Michele. Você não viu os pés dela, né? Então não fala nada. Fora isso, tinha
aquele narizinho rebitado, lembra?, de onde saiam chumaços de pelos. E não era
muito chegada a uma Sabesp. Toda mulher tem seu defeito, meu amigo. Mais dias,
menos dias, você tem que enfrentar o inimigo. A Letícia não falava inglês.
Levei ela para a Europa e passei vergonha.
- Então
você nunca vai achar uma mulher perfeita, Carneirinho.
- Um dia
eu acho, um dia eu acho.
Ia me
esquecendo de dizer que neste encontro com ele na Mercearia, ele estava com um
garoto, com pouco mais de vinte anos, loiro, cabelos encaracolados, elegante,
educado e tatuado, que ele me apresentou como "primo".
Sei não,
Carneirinho, sei não.