quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Intertextualidade - Conto maravilhoso - 6º ano

Texto 1: Chapeuzinho Vermelho de raiva                                            

- Senta aqui mais perto, Chapeuzinho. Fica aqui mais pertinho da vovó, fica.
 - Mas vovó, que olho vermelho... E grandão... Queque houve?
 - Ah, minha netinha, estes olhos estão assim de tanto olhar para você. Aliás, está queimada, hein?

 - Guarujá, vovó. Passei o fim de semana lá. A senhora não me leva a mal, não, mas a senhora está com um nariz tão grande, mas tão grande! Tá tão esquisito, vovó.
 - Ora, Chapéu, é a poluição. Desde que começou a industrialização do bosque que é um Deus nos acuda. Fico o dia todo respirando este ar horrível. Chegue mais perto, minha netinha, chegue.
 - Mas em compensação, antes eu levava mais de duas horas para vir de casa até aqui e agora, com a estrada asfaltada, em menos de quinze minutos chego aqui com a minha moto.
 - Pois é, minha filha. E o que tem aí nesta cesta enorme?
 - Puxa, já ia me esquecendo: a mamãe mandou umas coisas para a senhora. Olha aí: margarina, Helmmans, Danone de frutas e até uns pacotinhos de Knorr, mas é para a senhora comer um só por dia, viu? Lembra da indigestão do carnaval?
 - Se lembro, se lembro...
 - Vovó, sem querer ser chata.
 Ora, diga.
 - As orelhas. A orelha da senhora está tão grande. E ainda por cima, peluda. Credo, vovó!
 - Ah, mas a culpada é você. São estes discos malucos que você me deu. Onde á se viu fazer música deste tipo? Um horror! Você me desculpe porque foi você que me deu, mas estas guitarras, é guitarra que diz, não é? Pois é; estas guitarras são  muito barulhentas. Não há ouvido que agüente, minha filha. Música é a do meu tempo. Aquilo sim, eu e seu finado avô, dançando valsas... Ah, esta juventude está perdida mesmo.
 - Por falar em juventude o cabelo da senhora está um barato, hein? Todo desfiado, pra cima, encaracolado. Que qué isso?
 - Também tenho que entrar na moda, não é, minha filha? Ou você queria que eu fosse domingo ao programa do Chacrinha de coque e com vestido preto com bolinhas brancas?
 Chapeuzinho pula para trás:
 - E esta boca imensa???!!!
 A avó pula da cama e coloca as mãos na cintura, brava:
 - Escuta aqui, queridinha: você veio aqui hoje para me criticar é?!

 (Mario Prata)


Texto 2: Chapeuzinho Preto

Era uma vez, numa vila perto de uma floresta bem escura, uma menina de olhos e cabelos negros. Todo mundo gostava dela, e a avó dela mais ainda, tanto que decidiu fazer uma pequena capa com capuz para ela. 
A roupa era muito elegante, toda de veludo negro, e a menina andava para cima e para baixo com ela. Por conta disso, as pessoas começaram a chamá-la de Chapeuzinho Preto. 
        Um dia, a mãe de Chapeuzinho disse: 
        “Filha, leve estas jabuticabas para sua avó, que vive lá no meio da floresta.” 
        “Pode deixar, mamãe, eu vou e volto num minuto.” 
        “Mas olhe, não saia do caminho porque a floresta é perigosa.” 
          Então a menina colocou as jabuticabas numa cesta, deu um beijo na mãe e partiu. No caminho, ela cantava: 

“Pela estrada afora, 
Eu vou depressinha, 
Levar essas frutas 
Para a vovozinha.” 

           Chapeuzinho entrou pela floresta. A cada passo as árvores se fechavam e a mata ficava mais escura. Mas ela não sentia medo e apenas cantava sua musiquinha. 
          Assim foi até que, de repente, o Lobo saiu de trás de uma moita e falou: 
        “Bom dia, menina do Chapeuzinho Preto.” 
        “Bom dia, senhor.” 
        “O que você leva nesta cesta?” 
        “Algumas jabuticabas.” 
        “Hum! São para mim?” 
        “Não, elas são para a minha avó, que vive no meio da floresta.” 
         Naquela hora o Lobo pensou: “Minha fome é interminável. Um dia, com certeza, eu comerei esta pequena.” 
        Mas ele não queria comer Chapeuzinho ali, no meio do caminho, pois as refeições devem ser feitas nas horas certas. 
        Então ele disse: “Está vendo aquela trilha? Ela também vai até a casa de sua avó. É um pouco mais comprida, mas está cheia de tulipas. Por que você não vai por ali e leva umas flores para ela” 
        “Supimpa, senhor! Vou fazer isso mesmo!” 
        Assim, enquanto Chapeuzinho pegou o outro caminho, o Lobo foi por um atalho até a casa da avó. Quando lá chegou, tocou a campainha: 
      “Blem, blem, blem.” 
      “Quem é?”, perguntou a velhinha lá de dentro. 
      “Sou eu, sua netinha”, falou o Lobo disfarçando a voz. “Vim trazer jabuticabas para a senhora.” 
      A Vovó então pôs seus óculos e abriu a porta. 
     Quando viu que era o Lobo e não Chapeuzinho quem estava lá, falou: 
     “Ah, é você? Sabia que viria me buscar um dia. 
     Entre, não repare na bagunça.” 
     Depois de dar um suspiro, o Lobo engoliu a avó e deitou na cama para esperar Chapeuzinho. 
      A menina vinha andando lentamente pela mata, mas tão lentamente que nem viu o tempo passar. 
      Finalmente, quando chegou à casa da avó, tocou a campainha: 
     “Blem, blem, blem.”

     “Quem é?”, perguntou o Lobo lá de dentro, com voz rouca. 
     “Sou eu, sua netinha, vovó.” 
     “Entre, querida.” 
     Chapeuzinho abriu a porta e foi até a cama da avó. O Lobo estava embaixo das cobertas e usava touca, de modo que só se podia ver uma parte do seu rosto. Percebendo que havia alguma coisa estranha por ali, ela foi se olhar no espelho. 
      Foi aí que ela viu que tinha passado muito tempo colhendo tulipas. Tanto tempo que já era uma mulher. Então, olhando no espelho, ela perguntou para ela mesma: 
“Por que eu tenho orelhas tão grandes?” 
E ela se respondeu: “É porque passei muito tempo na mata e elas cresceram.” 
         “E estes olhos tão grandes?” 
         “É porque agora posso ver mais coisas.” 
          “E estas mãos tão grandes?” 
          “E porque agora posso alcançar o que antes não alcançava.” 
          “E este nariz tão grande?” 
          “É porque agora sou dona do meu próprio nariz.” 
          “E essa boca tão grande?” 
           É porque já posso falar por mim mesma”, disse Chapeuzinho. 
           Depois disso ela virou-se para o Lobo e perguntou: 
          “Onde está minha vovó?” 
          “Eu a engoli”, respondeu ele. 
           “E quem é você?” 
           “Sou o Lobo dos lobos. As pessoas me chamam de Tempo.” 
           “Você também vai me engolir?” 
           “Vou, mas não agora. Vamos comer estas jabuticabas?” 
            Então eles comeram bastante e tiraram uma sonequinha. Como estavam com a barriga cheia, começaram a roncar alto, mas tão alto que um caçador que estava andando por ali escutou o barulho e resolveu dar uma olhada. 
          Quando abriu a porta, o Caçador, que já era bem velho, colocou balas em sua espingarda e deu dois tiros no Lobo. Mas as balas passaram por ele e não lhe fizeram nenhum estrago. Aí o Caçador perguntou: 
        “Lobo maldito!, o que posso fazer para vencê-lo?” 
        “Isso é impossível, caro Caçador, mas nós podemos ser amigos.” 
        “Como?, se um dia você vai me engolir?” 
        “Ora, vamos ser amigos enquanto esse dia não chega.” 
         E dizendo isso o Lobo pegou as duas jabuticabas que sobraram, deu a menor para o Caçador e a maior para Chapeuzinho, e saiu pela janela dizendo: 
        “Até breve.” 
         E, assim, todos ficaram felizes: 
         O Caçador porque reconheceu que não podia vencer o Lobo. 
         A Vovó porque teve uma vida feliz e demorou para ser engolida. 
        E Chapeuzinho Preto porque aprendeu uma lição: 
        “Deve-se comer as jabuticabas sem pressa.” 
(José Roberto Torero)